O vento segreda-me sorrisos.
- É teu este pé?
- (um sorriso)
- Só podia ser teu este pé.
- (um sorriso)
- Estás a sujar-me.
- (outro sorriso)
Hoje poderia dizer-te que as noites sabem a mar. Que as noites sabem a sal. Sabem a um chá de especiarias de onde nascem borboletas.
Uma travagem brusca.
Pisca para a direita.
Quatro piscas.
- Está tudo bem? Ele está bem? Não foi de propósito. Não queria magoar ninguém.
- Não se preocupe. Ele está bem. A culpa é dele. É um tolo.
- És um tolo tu. (tolo!) Não se preocupe. (um sorriso) A culpa foi dele. Desculpe.
- Eu é que peço desculpa. Não queria magoá-lo.
Hoje o senhor Zé acordou bem disposto. Deu-me os bons dias e sorriu. A florista falou mal do primeiro-ministro, e o sol afagou-me os ossos doídos. Hoje poderia dizer-te que as flores têm outro sabor, poderia dizer-te que o mel deixou de ser doce e que o senhor Zé acordou bem disposto.
- Já reparaste, o autor é jornalista. Diz aqui.
- Já. Já tinha lido. Foi por isso que te dei.
- É sobre a história de um espião.
- Sim, na altura da segunda guerra mundial.
- Este vou ter de levar lá para cima.
- Pois... É melhor. Quando é que vais?
- Na terça.
- Ainda bem. Segunda é dia do pai.
- Não gastes dinheiro.
- Não. Vou só comprar uns chocolates.
- Não é preciso. Não vês que até lhe faz mal.
- Não faz nada mal. E ele gosta. Além do mais, assim posso comer eu também.
- Pois, vocês os dois, têm muito que se lhe diga.
- Ó mãe, estás com ciúmes?
- Deixa-te lá de coisas.
- És muito bonita. (um sorriso) E estás a corar.
- Bem, bem, bem.
- És mesmo muito, muito bonita. (outro sorriso)
- Deixa-me ir que deixei a sopa a aquecer.
Enquanto procuro palavras e travessões, lembro-me de te rir. Lembro-me dos teus braços levantados presos ao ferro do autocarro. Lembro-me dos teus olhos presos a mim, muito castanhos, muito avelã. E lembro-me de te rir. Disse adeus e corei, e eu não coro, muito menos digo adeus. Mas disse e corei. E tu riste-te, ou sorriste ou troçaste. Não sei bem… E lembro-me dos teus braços levantados presos ao ferro do autocarro. Eu não sei o nome do ferro do autocarro, mas sei que as tuas mãos estavam lá, sei que a tua camisa era castanha, e que o teu sorriso era assim de muitas cores, porque tu sorriste e eu corei.
- Mas ele reconheceu-te?
- Sim. Ele estava dentro do autocarro e eu passei. Ele sorriu e eu sorri. Depois ri-me. E depois disse mesmo adeus.
- E ele disse-te também?
- Disse. Eu não sei… não sei o que me deu. E depois ri-me.
- (risos)
- Não me gozes.
- Eu não. Eu só me estou a rir.
Eu nunca te quis saber, nunca te quis; nem dizer que eras bonito. Mas hoje corei. E hoje poderia dizer-te que as noites sabem a mar, que o sol me afagou os ossos doídos e que as tuas mãos pousaram nas minhas como o vento quando me segreda sorrisos.
O vento segreda-me sorrisos.
.
Os teus braços eram também aquele ferro do autocarro.
Isto foi uma das coisas mais perfeitas que já li. *
gostamos tanto do seu blog que o linkámos nos favoritos do nosso:
http://www.blog-sem-filtros.blogspot.com/
era para a informar/pedir autorização para tal.
abraço.
Biblioteca Rodrigues de Freitas
Muito bonito o teu blog.Cheio de pequenas delicias.
Parabêns.
Beijos
Marisa
goato do nome do teu blog, e da simplicidade que transmitem as tuas frases. simplicidade essa, carregada de um sabor delicioso a palavras que nos fazem sorrir. esta lindo. parabens...
Gostei da escolha das imagens que ilustram o post!
Por vezes, podem não significar nada, por outro lado, é apenas uma forma de demonstrar que conseguimos chegar a alguém, que conquistamos as pessoas com o que escrevemos, por isso, das minhas escolhas, tu foste uma delas.
Gostava que quando tivesses uma oportunidade passasses lá (http://wicahpis.blogs.sapo.pt/) para ires buscar o prémio. Beijos*