A Dona Amélia, senhora forte, de peito avantajado e cabelo muito loiro, anda sempre muito arranjada, toda a condizer. Veste estampados coloridos e fatos de veludo e ás vezes, mas muito raramente, usa chapéu. Tem umas mãos meigas e uns olhos do tamanho do mar e costuma levar o neto à escola todos os dias. Despede-se sempre com dois beijinhos, enquanto recomenda carinhosamente:
- Porta-te bem meu filho, obedece à senhora professora e sê amigo dos teus colegas.
O neto, o Armandinho como nós lhe chamamos, é moreno, magrinho e com aspecto de rufia. Tem energia “para dar e vender”, ele é saltar muros, ele é fazer peões, ele é jogar à bola, ele é ir contra pinheiros, é uma aventura. É um rapaz cheio de genica. Um encanto de criança, tirando as vezes em que resolve ser despropositado. Eu até gosto do miúdo, mas que é precisa paciência, ai isso é.
Certo dia, ia eu a caminho do hospital, tratar das minhas cruzes, sim porque isto de se entrar na terceira idade tem que se lhe diga, quando me cruzei com a Dona Amélia, que se fazia acompanhar pelo neto. O Armandinho tinha ido tomar a vacina do tétano e parece que berrou que nem um desalmado.
- Ó Armandinho então choraste? – perguntei eu. Mas tu já és grande! Tão bonito a chorar...
- Ó Dona Ermelinda e se não me chateasse?! Vá mas é fazer o bigode que já se vê ao longe. E se pintasse o cabelo não lhe fazia mal nenhum. A minha avó é muito mais gira que a senhora.
Após alguns segundos, o tempo suficiente para me restabelecer do choque cruel que as palavras me causaram, respondi-lhe:
- Armandinho tens razão. Tenho mesmo de ir ao cabeleireiro.
- Ó Dona Ermelinda, e se comprasse uma roupinha colorida "ficava no ponto", é que o preto está fora de moda. Se quiser a minha avó ajuda, não é avó?
Coitada da avó, a Dona Amélia até parecia que ia desfalecer. Pálida e atordoada pediu-me mil desculpas, enquanto eu me despedia apressadamente, dizendo-me atrasada para a consulta que de facto ia ter.
Alguns dias depois deste incidente um tanto ao quanto embaraçoso, encontrei a Dona Amélia, que se desfez em desculpas:
- Sabe como é, os miúdos agora não têm educação. Eu bem digo à minha filha, mas não posso fazer nada...
- Ó Dona Amélia deixe lá isso, os miúdos são assim mesmo, dizem sempre as verdades.
E a verdade, é que depois da consulta das cruzes, fui ao cabeleireiro, pintei o cabelo de ruivo, fiz as sobrancelhas e tirei o bigode todinho, nem réstia de pêlo. A roupa, bem essa ainda não tive coragem de mudar. O meu Manel, que Deus o tenha, se calhar não ia gostar.
Acho que o cabelo ruivo muito mais ousado do que mudar a cor dos vestidos ;)
O nosso cabelo reflete tanto como nos sentimos por dentro de Nós!
Está muito engraçado essa forma como o complexo do luto entra na vida das pessoas de uma forma tão preconceituosa.
Este seu blog é uma surpresa e um espanto. Ainda bem que passou pelo meu e deixou lá uma palavrinha... coisas do acaso. Pelo que já vi, percebi que vou voltar. Até à próxima.
tenho medo que tudo o que sinto esteja errado,
mas não tenho receio que algo me escape.
sinto que falhei redondamente, não sabia se queria ter-me enganado.
apuradas bem as coisas, tenho um medo infinito que os meus sentimentos pela Dona Amélia cheguem a ser verdade e o coração me rebente.