Tenho cinco anos e um copinho cor-de-rosa. Bochecho a boca com flúor e não consigo subir as meias sozinha.
- Mãe, sobe-me as meias! Mãe, dói-me a barriga! Mãe, olha o gafanhoto! - Tenho medo.
Tenho cinco anos, mas podia ter seis ou sete ou até vinte. Estou sentada num degrau das escadas. Choro. Tenho medo de um cão. Choro. Tenho medo das pessoas. Choro.
- Queres ser meu amigo?
Limpo o ranho às mangas do casaco, escondo-me. Sou um bicho sem nome. Vivo numa janela, com os pés assentes numa cadeira.
- Mãe! Vem dormir comigo. Diz-me baixinho que gostas de mim.
12:06 - Tenho cinco anos, mas podia ter seis ou sete
00:22 - Ao que sabem os seus pés

Ela gostava de andar descalça, de esfolar os pés e de os gastar, gostava de tocar o chão rugoso com as suas palmas e de sentir o caminho de uma outra forma, muito avessa. Ela gostava de pés que se podiam usar, vestir e calçar.
Ela apaixonou-se.
02:58 - Mulher número 8016537
Agosto. Respira-se um calor seco e ouvem-se trovões de um tempo longínquo. Chove.
“Mulher de 51 anos, morre incinerada, vítima de uma forte trovoada que assolou a sua janela. Amigos e familiares acusam o tempo e inconformados (...)”
20:12 - As tuas asas, que são mãos em mim, sobrevoaram-me.
15:16 - A cidade é uma mulher escanzelada de olhos esbugalhados.
A cidade é uma mulher triste de olhos sentados. É uma mulher esfomeada, surda de cansaço.
Sofre de uma dor sem fim, não segue o vento nem percorre o tempo. Reinventa ininterruptamente as mesmas ruas, as mesmas pessoas. Gasta os mesmos passeios, vomita os mesmos grunhidos.
Vítima de uma solidão adúltera, padece de uma promiscuidade seca. Estrangulada, sobrevive sem cor, alimentando-se de gemidos sem nome.
Veste-se de vermelho e asfixiada, morre de uma morte lenta.
A cidade é uma mulher escanzelada de olhos esbugalhados.
Depois há os passarinhos.
21:19 - Trago-te um dia um sorriso.

19:19 - O chá da menina verde
O chá é sempre da mesma cor, umas vezes mais escuro, outras mais claro a deixar espreitar a outra margem do copo. O chá pode ser bebido a diversas temperaturas dependendo do gosto de cada um. A menina verde gosta de o beber a ferver, para assim poder sentir, tudo em si arder à sua passagem, para assim o poder sentir repousar bem na sua barriga amedrontada. Disseram-lhe que era estômago, mas enganaram-na. É na barriga que a menina verde o sente.
20:08 - Escrevia tudo outra vez

Queria fumar. Queria afundar-me nesse corpo nu, tão vazio, tão insípido, tão irreconhecível. Nesse corpo que já não chama, que já não pede nem anseia. Nesse corpo que é o meu. Queria entranhar-me, embaralhar-me toda nele e ser minha. Eternamente da minha pele, do meu respirar apressado. Eternamente de mim. Escrevia tudo outra vez: as cores, os candeeiros, os sabores.
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